Deficiência VisualHistórias Reais

Bailarina perde a visão aos 25 e diz que dança melhor hoje

Compartilhe:
Pin Share
Sabrina frequenta as aulas de balé no Teatro Santa Roza (Foto: Inaê Teles/G1)
Sabrina frequenta as aulas de balé no Teatro Santa Roza (Foto: Inaê Teles/G1)

Sabrina Casado, de 33 anos, perdeu a visão aos 25 por conta da diabetes. Ela afirma que encontrou energia para enfrentar as dificuldades na dança.

“Eu danço melhor hoje do que quando enxergava. Sou só eu e a música”, diz a sorridente bailarina Sabrina Casado, que perdeu a visão aos 25 anos por causa da diabetes. Após um transplante, ela se recuperou da doença, mas ainda segue sem enxergar. Hoje, aos 33, encara a vida de uma outra forma. “Eu penso que a gente tem que morrer e nascer de novo, porque não dá para ter a mesma vida. Se insistir em ter, parece um massacre”, conta.

Sabrina tem aula de balé duas vezes por semana em uma das salas de dança do Teatro Santa Roza em João Pessoa (PB), onde ela teve as primeiras aulas de dança quando tinha apenas 4 anos. No início, como ela mesma conta, era tudo uma grande brincadeira, mas depois que a menina de 10 anos protagonizou o espetáculo A Branca de Neve viu que “o negócio era de verdade” e exigia mais responsabilidade. Aos 18 anos, interrompeu as aulas por conta do vestibular e logo em seguida ficou difícil conciliar as aulas da faculdade de fisioterapia com as de dança. Com essa pausa de oito anos, Sabrina só foi retornar à dança aos 26 anos, quando já não enxergava mais.

“Não imaginei que fosse possível voltar a dançar agora sem enxergar. Foi bem diferente e fiquei bastante insegura. Depois que você consegue, diminui a insegurança e você já começa a querer alcançar outras coisas”, relembra a bailarina, que voltou a dançar após o convite de Helena Holanda, presidente da ONG Centro de Atividades Especiais Helena Holanda (CAEHH). “A dança é uma entrega à música e ao público. É como se fosse a própria energia de viver”, afirma Sabrina. A bailarina retomou o gosto pela dança, começou a fazer aulas e acabou montando o grupo de dança Companhia Equilíbrio, que já tem cinco anos.

Hoje, Sabrina tem aulas de dança com uma turma composta por mais cinco alunas que enxergam. Antes de a aula começar, ela adiantou para reportagem do G1 que acreditava não acompanhar o ritmo da turma. As alunas discordaram. “A gente é que acompanha os passos dela pelo espelho ou pela brecha da barra. Na verdade é ela que guia a gente”, disse a aluna Thaís Ribeiro.

O professor Elias Miguel explica que a única diferença em ministrar uma aula com uma deficiente visual é que ele bebe mais água. “Tenho que falar durante toda a aula porque é necessário descrever a aula para Sabrina. Não há exclusão, mas não passo a mão na cabeça dela.” Elias diz que o cuidado excessivo acaba, de alguma forma, diferenciando Sabrina das demais alunas e não é essa a sua intenção.

Mais segurança

Sabrina conta como conheceu o namorado (Foto: Inaê Teles/G1)
Sabrina conta como conheceu o namorado (Foto: Inaê Teles/G1)

Sabrina não imaginava que o primeiro passo de dança ia levá-la a tantos outros mais longe. Em 2010, a bailarina inscreveu um projeto de dança para concorrer ao incentivo financeiro do Fundo Municipal de Cultura da Prefeitura de João Pessoa. “Nunca tinha pensando em inscrever um projeto. Nunca fui atrás da burocracia”, diz Sabrina, que teve o projeto aprovado e realizou 11 apresentações de dança em escolas e teatros de João Pessoa. “Apresentar [um espetáculo] em um ginásio cheio de gente é bem diferente.”

Ela também participou com o grupo de dança Companhia Equilíbrio das atividades do projeto Circuito das Praças, que leva atrações culturais para praças da capital paraibana. “A dança me dá mais segurança. Não sou mais uma no meio da multidão”, diz. O projeto também incluía um debate com os alunos das escolas. Nesses debates, Sabrina conta que surgiam perguntas bem peculiares. “Eles perguntavam sobre o meu cotidiano, mas teve uma vez que eu achei muito engraçado. Um adolescente perguntou se eu namorava e como eu fazia”, relembra.

O fato é que ela namora, sim. Já foi casada por três anos e hoje está em um novo relacionamento com Gilson Batista, que é professor e também é deficiente visual, mas, diferentemente de Sabrina, Gilson é cego desde que nasceu. Tudo começou quando Sabrina estava em busca de um professor de informática e acabou contratando os serviços de Gilson. Ela brinca dizendo que nesta conquista não houve a troca de olhares, mas lembra que neste modelo é possível se apaixonar de cara pela personalidade da pessoa. Com isso, o casal está junto há sete meses. “Sabrina é tranquila e centrada. Ela é uma grande profissional e uma grande pessoa”, diz Gilson sobre a amada.

Conquistas

Sabrina se diz uma aprendiz na leitura em braile (Foto: Inaê Teles/G1)
Sabrina se diz uma aprendiz na leitura em braile (Foto: Inaê Teles/G1)

A perda da visão de Sabrina foi gradativa e causada por conta de uma diabetes. Primeiro, ela começou a ver coisas embaçadas e, em seis meses, não conseguia mais distinguir se estava em um ambiente claro ou escuro. Ela passou por diversas cirurgias, mas não conseguiu evitar a perda da visão, que aconteceu quando ela estava fazendo uma pós-graduação em fisioterapia.

O primeiro ano sem enxergar foi o mais difícil para Sabrina. “Sempre fui muito independente e passei a ser totalmente dependente”, conta. Aos 29 anos, passou por dois transplantes (rim e pâncreas) em São Paulo. E por conta do transplante de pâncreas, deixou de ser diabética.

O endocrinologista Ednardo Parente explica que a diabetes é a deficiência de insulina no organismo. Essa deficiência pode ser relativa ou absoluta. O órgão responsável pela produção da insulina é o pâncreas. É a insulina que tranforma a glicose em energia. “O transplante é uma cirurgia grande que é feita em casos de pacientes com complicações por conta da diabetes”, diz Parente.

Um dos primeiros desejos que Sabrina realizou, após deixar de ser diabética, foi o de comer pudim de leite condensado. “Minha avó é louca por pudim. Quando eu comi, eu liguei para ela contando. Ela ficou morta de feliz.”

Hoje, ela é uma das responsáveis pela produção do material em braile que é realizado na Fundação de Apoio ao Deficiente. Sabrina escaneia os livros didáticos e os deixa no formato da leitura braile. A chefe de Divisão de Apoio da Codavi, Jovania Freires, afirma que, por mês, são produzidas, em média, 2 mil páginas em braile. André Barbosa, que também é funcionário da Funad, explica que uma página de um livro didático, quando é convertido em leitura braile, resulta em três a quatro páginas. O revisor Alberto Melo, que não enxerga desde que nasceu, tem a função de ler todas as páginas que são produzidas em braile e no caso de encontrar algum erro avisar para que a equipe corrija.

Os livros em braile produzidos pela equipe são distribuídos para as escolas que solicitam as obras para os alunos com deficiência visual.

Para Sabrina, a dança é a própria energia vital (Foto: Inaê Teles/G1)
Para Sabrina, a dança é a própria energia vital (Foto: Inaê Teles/G1)

Sabrina diz que muita coisa mudou em sua vida, mas nunca parou para fazer a pergunta “por que eu?”. Quando enxergava, Sabrina pensava em viajar e em morar fora. “Não seria impossível, mas para mim agora não dá”, diz. Ela conta que sente falta de poder sair só, mas que mesmo assim se sente feliz. “Sou feliz porque tenho uma família que me ama”, afirma a bailarina, que ainda pretende dançar o espetáculo Quebra Nozes. “Aí eu já posso me aposentar feliz.”

Fonte: G1

Compartilhe:
Pin Share

Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

One thought on “Bailarina perde a visão aos 25 e diz que dança melhor hoje

  • iziquel l martins falchione

    É muito gratificante, conhecer alguem como a Sabrina, saber que que existem limitações mas que ela superou.
    Quero parabeniza-la pelas suas conquistas, o seu exemplo de vida seja a luz, para muita gente e assim consigam uma melhor qualidade de vida , Deus te abençoe.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!

Damos valor à sua privacidade

Nós e os nossos parceiros armazenamos ou acedemos a informações dos dispositivos, tais como cookies, e processamos dados pessoais, tais como identificadores exclusivos e informações padrão enviadas pelos dispositivos, para as finalidades descritas abaixo. Poderá clicar para consentir o processamento por nossa parte e pela parte dos nossos parceiros para tais finalidades. Em alternativa, poderá clicar para recusar o consentimento, ou aceder a informações mais pormenorizadas e alterar as suas preferências antes de dar consentimento. As suas preferências serão aplicadas apenas a este website.

Cookies estritamente necessários

Estes cookies são necessários para que o website funcione e não podem ser desligados nos nossos sistemas. Normalmente, eles só são configurados em resposta a ações levadas a cabo por si e que correspondem a uma solicitação de serviços, tais como definir as suas preferências de privacidade, iniciar sessão ou preencher formulários. Pode configurar o seu navegador para bloquear ou alertá-lo(a) sobre esses cookies, mas algumas partes do website não funcionarão. Estes cookies não armazenam qualquer informação pessoal identificável.

Cookies de desempenho

Estes cookies permitem-nos contar visitas e fontes de tráfego, para que possamos medir e melhorar o desempenho do nosso website. Eles ajudam-nos a saber quais são as páginas mais e menos populares e a ver como os visitantes se movimentam pelo website. Todas as informações recolhidas por estes cookies são agregadas e, por conseguinte, anónimas. Se não permitir estes cookies, não saberemos quando visitou o nosso site.

Cookies de funcionalidade

Estes cookies permitem que o site forneça uma funcionalidade e personalização melhoradas. Podem ser estabelecidos por nós ou por fornecedores externos cujos serviços adicionámos às nossas páginas. Se não permitir estes cookies algumas destas funcionalidades, ou mesmo todas, podem não atuar corretamente.

Cookies de publicidade

Estes cookies podem ser estabelecidos através do nosso site pelos nossos parceiros de publicidade. Podem ser usados por essas empresas para construir um perfil sobre os seus interesses e mostrar-lhe anúncios relevantes em outros websites. Eles não armazenam diretamente informações pessoais, mas são baseados na identificação exclusiva do seu navegador e dispositivo de internet. Se não permitir estes cookies, terá menos publicidade direcionada.

Visite as nossas páginas de Políticas de privacidade e Termos e condições.

Importante: Este site faz uso de cookies para melhorar a sua experiência de navegação e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nosso site, você concorda com tal monitoramento.