Síndrome de Rett: Por que só meninas conseguem viver com ela?
A síndrome de Rett é uma condição neurológica rara que afeta principalmente meninas e costuma aparecer por volta do primeiro ano de vida. Nos primeiros meses, o bebê parece se desenvolver normalmente. Mas de repente, algo muda. Os pais começam a notar uma regressão: a criança para de falar palavras que já dizia, perde o interesse pelas pessoas e pelas coisas ao redor, e os movimentos que antes fazia com facilidade passam a desaparecer.
Essa mudança repentina é assustadora e levanta muitas dúvidas. O que aconteceu com meu bebê? Por que ela está mudando assim?
A resposta pode estar em um gene chamado MECP2, localizado no cromossomo X. Esse gene foi estudado por uma cientista chamada Huda Zoghbi, que em 1999 descobriu que uma mutação nesse gene está ligada à síndrome de Rett.
Mas o que isso significa na prática?
O que o gene MECP2 faz?
Todos os nossos genes são como receitas que o corpo usa para produzir proteínas. A proteína feita pelo gene MECP2 ajuda a controlar a atividade de outros genes dentro dos neurônios (as células do cérebro). Ela atua como um “silenciador”: quando é hora de um gene parar de funcionar, essa proteína ajuda a desligá-lo.
Se o MECP2 estiver com defeito, ele não consegue silenciar corretamente outro gene importante chamado BDNF. Esse gene é essencial para formar novas conexões entre os neurônios, chamadas de sinapses. Essas conexões permitem que o cérebro funcione bem, que a gente aprenda, se mova, fale e interaja.
Por que a síndrome afeta mais meninas?
Homens têm um cromossomo X e um Y. Se o X estiver com defeito, não há outro para ajudar. Por isso, nos meninos, a mutação no gene MECP2 costuma causar uma forma muito grave da doença. Muitos não sobrevivem além dos dois primeiros anos de vida.
Já as meninas têm dois cromossomos X. Se um tiver o defeito, o outro pode ajudar um pouco, compensando a ausência da proteína correta. Por isso, elas conseguem sobreviver, embora com limitações significativas.
Como é o desenvolvimento da criança com Rett?
A criança se desenvolve normalmente até mais ou menos um ano. Depois disso, surgem os sinais mais marcantes da síndrome:
- Perda da fala: a criança para de dizer palavras que já sabia.
- Movimentos repetitivos com as mãos, como esfregar, torcer ou bater uma na outra.
- Perda de habilidades motoras, como segurar objetos ou andar.
- Ansiedade e irritabilidade: muitas ficam agitadas ou choram sem motivo claro.
- Problemas de equilíbrio.
- Dificuldades de interação social.
Com o tempo, alguns desses sintomas se estabilizam. Algumas crianças conseguem voltar a interagir um pouco mais, mas geralmente não conseguem viver de forma independente.
Sintomas comuns na síndrome de Rett
Os sinais da síndrome costumam aparecer entre 3 meses e 3 anos de idade. Veja os mais comuns:
- Perda dos movimentos normais das mãos
- Perda da fala e da comunicação verbal
- Dificuldade para andar ou perda dessa capacidade
- Movimentos repetitivos com as mãos
- Problemas de respiração (respiração acelerada ou pausas)
- Crises de ansiedade
- Dificuldade de socialização
- Problemas cognitivos e de aprendizagem
Outros sintomas que podem aparecer:
- Escoliose (desvio na coluna)
- Convulsões
- Constipação e refluxo
- Problemas cardíacos
- Dificuldade para mastigar e engolir
- Problemas para dormir
Esses sintomas não significam, por si só, que a criança tem síndrome de Rett, mas são sinais que merecem atenção e avaliação médica.
A causa: uma mutação que atrapalha a conexão entre neurônios
Durante o primeiro ano de vida, o cérebro passa por uma fase de grande crescimento e adaptação. É nesse período que as conexões entre neurônios (as sinapses) estão sendo formadas e ajustadas de acordo com o ambiente.
Se a proteína produzida pelo MECP2 estiver com defeito, esse processo falha. Isso afeta diretamente o desenvolvimento da criança. O cérebro não consegue se reorganizar como deveria, e isso explica por que a síndrome de Rett aparece justamente nessa fase tão importante da vida.
Existe cura?
Atualmente, não existe cura para a síndrome de Rett, mas há tratamentos que ajudam muito na qualidade de vida. O foco é sempre multidisciplinar, ou seja, envolve vários profissionais:
- Fisioterapeuta: para trabalhar o movimento e ajudar com o equilíbrio.
- Terapeuta ocupacional: ajuda a desenvolver habilidades do dia a dia.
- Fonoaudiólogo: trabalha a comunicação e a deglutição.
- Neurologista e pediatra: para acompanhar o desenvolvimento geral.
Além disso, medicamentos podem ser usados para tratar convulsões, ansiedade, constipação, refluxo ou problemas cardíacos.
E quanto ao futuro?
A expectativa de vida de meninas com síndrome de Rett é maior do que se pensava antigamente. Muitas chegam aos 40, 50 ou até mais de 60 anos. Isso é possível graças aos avanços no cuidado, no suporte médico e na compreensão da doença.
Pesquisas estão sendo feitas para entender melhor o funcionamento do gene MECP2 e da proteína BDNF. Com isso, cientistas esperam desenvolver tratamentos mais eficazes e, quem sabe um dia, encontrar uma cura ou um caminho para reverter os efeitos da síndrome.
Enquanto isso, o apoio da família, o acolhimento das escolas, o trabalho de profissionais especializados e o amor são fundamentais para garantir uma vida mais feliz e digna para essas crianças e suas famílias.
Se você conhece uma criança com sinais parecidos, procure um especialista. O diagnóstico precoce faz toda a diferença!