Governo Federal critica decisões que garantem o BPC para pessoas com deficiência: o que está por trás disso?
Nos últimos cinco anos, os gastos públicos com o BPC para pessoas com deficiência e idosos ultrapassaram R$ 50 bilhões. Esse aumento foi atribuído, em grande parte, às concessões feitas por ordem judicial. Atualmente, mais de 6 milhões de pessoas recebem o Benefício de Prestação Continuada. Em 2022, esse número era de pouco menos de 5 milhões.
Apesar de o aumento nas concessões refletir uma maior inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade, o Governo Federal passou a criticar abertamente o Poder Judiciário, alegando que decisões judiciais estão sendo tomadas sem rigor técnico e sem o devido cumprimento de exigências legais — uma crítica que causa preocupação e merece atenção da sociedade.
O que é o BPC para pessoas com deficiência?
O BPC é garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e assegura o pagamento de um salário mínimo mensal (R$ 1.518, em 2025) para idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência de qualquer idade, desde que a renda familiar per capita seja de até 25% do salário mínimo.
No caso das pessoas com deficiência, é exigido que a condição as impeça de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com os demais. Ainda assim, é comum que muitos tenham seus pedidos negados nas vias administrativas, mesmo preenchendo todos os requisitos.
A Justiça como único caminho para garantir o acesso
Cerca de 25% das concessões do BPC para pessoas com deficiência foram garantidas por decisões judiciais. Até setembro de 2024, quase 3 milhões de novos benefícios foram concedidos, sendo 711 mil por via judicial. A maioria desses casos sequer apresentava o CID (Código Internacional de Doenças) — exigência que só passou a valer em dezembro de 2024, com a promulgação de uma nova lei.
Esses dados demonstram uma realidade alarmante: muitos direitos estão sendo efetivamente reconhecidos apenas através da Justiça. Isso indica não uma fragilidade do Judiciário, mas uma falha grave no processo de avaliação administrativa por parte do Governo Federal.
O ataque institucional ao Judiciário
A postura do Governo, especialmente por meio de falas como as do ministro Wellington Dias, revela um incômodo não apenas fiscal, mas ideológico. Ao afirmar que pessoas estão sendo beneficiadas “sem ter direito”, o Governo tenta deslegitimar o trabalho do Judiciário e colocar em dúvida a própria vulnerabilidade de quem depende do BPC para pessoas com deficiência.
Segundo o ministro, decisões judiciais estariam sendo tomadas sem perícias, com ausência de provas e desconsiderando avaliações da assistência social. Porém, o que se percebe é que essas decisões judiciais têm sido, muitas vezes, a única forma de garantir o mínimo existencial a quem foi injustamente excluído pelo sistema público.
O risco de transformar o direito em privilégio
A crítica governamental, disfarçada de preocupação fiscal, esconde um ataque mais profundo: a tentativa de transformar um direito constitucional em privilégio. A ideia de que o BPC “prejudica as contas públicas” ou que seu reajuste não deve seguir o salário mínimo ignora a função social do benefício e o impacto positivo que ele gera para milhões de famílias em situação de vulnerabilidade.
A defesa do BPC para pessoas com deficiência precisa ser firme. O discurso de contenção fiscal não pode se sobrepor ao direito à dignidade humana. Se há fraudes, que sejam combatidas. Mas que isso não sirva de pretexto para restringir ainda mais o acesso ao benefício a quem realmente precisa dele para sobreviver.
Conclusão: o que está em jogo
O que se vê é um descompasso entre o Executivo e o Judiciário. Enquanto um tenta limitar os gastos, o outro age para garantir direitos. O que está em jogo é muito mais do que números: é o reconhecimento de que a vida de uma pessoa com deficiência vale mais do que um cálculo fiscal.
Neste cenário, é fundamental que a sociedade civil, especialmente a comunidade PcD, se mantenha alerta e mobilizada. O BPC para pessoas com deficiência é um direito conquistado — e não pode ser tratado como um privilégio a ser cortado.
Por Vera Garcia