Transporte Adaptado

Descaso:Transporte público coloca em risco vida de cadeirantes em São Paulo

Compartilhe:
Pin Share
Juracir da Silva espera pela equipe de resgate após acidente, em janeiro deste ano
Juracir da Silva espera pela equipe de resgate após acidente, em janeiro deste ano (Foto: arquivo pessoal)

iG acompanhou um deficiente físico e notou que motoristas e cobradores não sabem utilizar os elevadores dos ônibus adaptados na capital

Por  Carolina Garcia, iG São Paulo

Deficientes físicos ou pessoas com mobilidade reduzida enfrentam na cidade de São Paulo desafios muitas vezes maiores dos que os já vividos após uma doença ou fatalidade que limitou seus movimentos. Vítima da paralisia infantil quando tinha apenas 8 meses de vida, Juracir Barbosa da Silva, de 52 anos, chega a classificar sua batalha contra paralisia mais fácil do que uma simples atividade diária: utilizar o transporte público.

Silva tem motivos para desacreditar no sistema de transporte público da capital. Ele vende balas em um cruzamento da zona sul há mais de 30 anos e, por isso, utiliza pelo menos quatro ônibus diariamente. “Não tem um dia que não discuto com algum motorista ou cobrador. Às vezes preciso implorar por ajuda (para ser colocado dentro do ônibus)”. E foi o mau preparo de uma dupla de funcionários na região do Grajaú, onde mora há 40 anos, que colocou sua vida em risco.

Quando voltava para casa do trabalho, no dia 24 de janeiro, Silva utilizou a linha 6062/51 Jd.Castro Alves/Term.Santo Amaro, por volta das 16h. Já acostumado com os elevadores das lotações, o vendedor disse ter percebido que o cobrador não estava confiante para comandar o equipamento. “Desliguei minha cadeira e ele apertou o botão de descida. Ele não esperou chegar até o final e apertou (o botão)”, explicou. Com isso, o aparato foi acionado para remover a prancha, como na manobra de embarque.

“Senti a cadeira deslizando e comecei a gritar. Caí e senti a cadeira caindo em cima de mim. Cheguei a ouvir uma gritaria entre os passageiros e o cobrador. Era muito sangue, pensei que iria morrer.” Silva ficou no asfalto por cerca de 30 minutos esperando o resgate (como mostra a foto acima). Com a queda, ele sofreu uma fratura no fêmur da perna esquerda e levou quatro pontos no nariz.

Após passar três meses internado no Hospital do Grajaú, o vendedor contou ao iG que ainda se sentia abandonado pela cooperativa responsável pela lotação, que não teria prestado nenhuma assistência, segundo ele. “Fiquei ali no asfalto estendido. Uma sensação pior do que senti no dia em que entendi que não poderia andar. Foi a primeira vez que chorei na vida.”

Após o acidente, a família de Silva procurou a Polícia Civil e o caso é investigado pelo 101º DP, do Jardim das Embuias. A São Paulo Transporte (SPTrans) informou que o veículo envolvido no acidente, com o prefixo 6 6121, passou por vistoria no dia 16 de janeiro e segue em circulação. Tal informação comprovaria que a falha teria sido operacional (do cobrador) e não mecânica (do elevador). Procurada pela reportagem, a cooperativa Cooper-Pam, que é responsável pelo carro no acidente, não retornou para dar um posicionamento.

Dificuldades

A dificuldade de se locomover na cidade de São Paulo não é exclusiva de Juracir Silva. O iG acompanhou o trajeto do porteiro Giovani Antônio Batista, de 47 anos, também diagnosticado com paralisia infantil nos primeiros meses de vida. Para chegar ao trabalho, às 8h30, ele utiliza pelo menos quatro linhas de ônibus no intervalo de duas horas e outras quatro no final do dia.

Giovani Batista aguarda ajuda de motorista para entrar em ônibus parcialmente adaptado
Giovani Batista aguarda ajuda de motorista para entrar em ônibus parcialmente adaptado (Foto: Carolina Garcia)

Morador da Vila Jacuri, no extremo sul da capital, Batista explica que não pode ter apenas uma opção de caminho já que não sabe se será aceito em todos os transportes coletivos – inclusive os que têm um adesivo indicando ser preparado aos deficientes. “É normal eu estar no ponto, dar o sinal e ser recusado pelo motorista. Quero acreditar que é mais por má vontade do que pensar que ainda sofro preconceito.”

As constantes brigas com os funcionários das empresas também são comuns na rotina do porteiro. “Muita vezes cheguei a suplicar para ele me pegar, mas acabo escutando um ‘está lotado’ ou ‘estamos em cima do horário’. Como não aceito, acabo recebendo ajuda dos próprios passageiros”, explica.

A manifestação solidária de populares foi comprovada pela reportagem na última terça-feira (16). Em três das quatro conduções utilizadas, Batista foi auxiliado por desconhecidos. Já a espera da última linha, na av. Luis Carlos Berrini, o porteiro indicou três vezes a intenção de embarcar para o motorista, que já havia parado fora do ponto de ônibus. “Ele não quer parar de novo, mas como posso subir com a minha cadeira no meio da rua?”

Após realizar o sinal três vezes, Giovani consegue embarcar em ônibus na zona sul (Foto: Carolina Garcia).
Após realizar o sinal três vezes, Giovani consegue embarcar em ônibus na zona sul (Foto: Carolina Garcia).

Visivelmente contrariado, o motorista parou o coletivo e desceu para abrir a rampa ao cadeirante. Batista então entrou no ônibus. Porém, antes de chegar ao seu espaço reservado e conseguir colocar o cinto de segurança, o motorista acelerou o veículo. A reação dos passageiros foi instantânea. Irritados, eles começaram a gritar: “Espera o cadeirante colocar o cinto” ou “Tá com pressa?”. “Calma, gente. Ele está atrasado para o cafezinho dele”, disse Batista em resposta visivelmente constrangido.

Outros acontecimentos se tornam obstáculos para as pessoas com mobilidade reduzida. No caso da entrevistadora Cláudia Siqueira, de 35 anos, as péssimas condições das calçadas e obras de sua rua e superlotação no metrô a impedem de ter um trajeto mais confortável para o trabalho, na região de Pinheiros. Com uma prótese na perna direita, necessária após sofrer um acidente de carro há 4 anos, Cláudia sente fortes dores no final do dia.

“No começo (quando colocou a prótese) desisti de trabalhar e estudar. Enfrentar a cidade sem ter experiência com sua deficiência é muito arriscado”, explicou. Ela reconhece que, por não ter uma limitação aparente, acaba não recebendo tanta ajuda como Giovani e Juracir. “O fato de eu ter que mostrar e revelar minha deficiência a todos me prendeu muito.”

Para ela, os espaços reservados para deficientes no metrô precisam ser expandidos. “Acabo competindo espaço com pessoas que não têm problemas em passar alguns minutos em pé”. Cláudia ainda desabafou dizendo que sente “fora da estatística” da prefeitura. “Basta olhar as condições de transporte e locomoção da cidade. Calçadas esburacadas e nada adaptadas. São Paulo não foi feita para a gente (os deficientes).”

Treinamento

Segundo o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss), quando motoristas e cobradores são contratados pelas viações ou cooperativas de ônibus passam obrigatoriamente por um programa de treinamento determinado pela SPTrans. No entanto, os dados são contrastantes.

Juracir da Silva

Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/

Compartilhe:
Pin Share

Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

One thought on “Descaso:Transporte público coloca em risco vida de cadeirantes em São Paulo

  • Cá entre nós, é uma indecência o que vem sendo feito com o transporte coletivo. Eu até diria que a essa altura do campeonato os ônibus de motor traseiro deveriam tornar-se obrigatórios por permitirem arranjos mais acessíveis como o piso baixo integral, no máximo com rampas suaves para nivelar ao redor da tulipa do diferencial.

    http://cripplerooster.blogspot.com/2012/06/motor-traseiro-melhor-configuracao-para.html

    A propósito: as rampas retráteis para nivelamento com a plataforma de embarque são muito fáceis de operar, podendo ser manuseadas até por leigos, então a incompetência de alguns motoristas não se justifica.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!

Damos valor à sua privacidade

Nós e os nossos parceiros armazenamos ou acedemos a informações dos dispositivos, tais como cookies, e processamos dados pessoais, tais como identificadores exclusivos e informações padrão enviadas pelos dispositivos, para as finalidades descritas abaixo. Poderá clicar para consentir o processamento por nossa parte e pela parte dos nossos parceiros para tais finalidades. Em alternativa, poderá clicar para recusar o consentimento, ou aceder a informações mais pormenorizadas e alterar as suas preferências antes de dar consentimento. As suas preferências serão aplicadas apenas a este website.

Cookies estritamente necessários

Estes cookies são necessários para que o website funcione e não podem ser desligados nos nossos sistemas. Normalmente, eles só são configurados em resposta a ações levadas a cabo por si e que correspondem a uma solicitação de serviços, tais como definir as suas preferências de privacidade, iniciar sessão ou preencher formulários. Pode configurar o seu navegador para bloquear ou alertá-lo(a) sobre esses cookies, mas algumas partes do website não funcionarão. Estes cookies não armazenam qualquer informação pessoal identificável.

Cookies de desempenho

Estes cookies permitem-nos contar visitas e fontes de tráfego, para que possamos medir e melhorar o desempenho do nosso website. Eles ajudam-nos a saber quais são as páginas mais e menos populares e a ver como os visitantes se movimentam pelo website. Todas as informações recolhidas por estes cookies são agregadas e, por conseguinte, anónimas. Se não permitir estes cookies, não saberemos quando visitou o nosso site.

Cookies de funcionalidade

Estes cookies permitem que o site forneça uma funcionalidade e personalização melhoradas. Podem ser estabelecidos por nós ou por fornecedores externos cujos serviços adicionámos às nossas páginas. Se não permitir estes cookies algumas destas funcionalidades, ou mesmo todas, podem não atuar corretamente.

Cookies de publicidade

Estes cookies podem ser estabelecidos através do nosso site pelos nossos parceiros de publicidade. Podem ser usados por essas empresas para construir um perfil sobre os seus interesses e mostrar-lhe anúncios relevantes em outros websites. Eles não armazenam diretamente informações pessoais, mas são baseados na identificação exclusiva do seu navegador e dispositivo de internet. Se não permitir estes cookies, terá menos publicidade direcionada.

Visite as nossas páginas de Políticas de privacidade e Termos e condições.

Importante: Este site faz uso de cookies para melhorar a sua experiência de navegação e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nosso site, você concorda com tal monitoramento.