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Talidomida pode ter feito novas vítimas no Brasil

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Relatório aponta que 3 crianças teriam nascido com malformação decorrente do remédio
Cinquenta anos após os primeiros registros de nascimentos de bebês no Brasil com malformações causadas pela talidomida, um relatório inédito alerta que mais três crianças podem ter sido vítimas do remédio.

As informações são de uma pesquisa feita a pedido do Ministério da Saúde e concluída no fim de 2008. Foram cerca de 15 mil vítimas da talidomida no mundo entre o fim dos anos 50 e o início dos 60, quando o medicamento era usado contra enjoos da gestação. O episódio foi considerado a maior tragédia pelo uso de um fármaco.

As famílias de duas das crianças, nascidas na Paraíba, foram localizadas pelo Estado no fim de agosto e até então não tinham sido contatadas pelas autoridades sanitárias para mais investigações. O terceiro bebê é do Rio. Os pais negam ou não sabem dizer se usaram a talidomida e não têm doenças que justificariam o uso da droga . “Tanto pode ter acontecido e eu não lembrar (do uso), como pode ter outra causa”, diz a professora Sueny Lopes dos Santos, de 31 anos, mãe de Ana Clara. A menina tem os braços encurtados e as mãos malformadas.

A distribuição do remédio no Brasil, hoje utilizado principalmente contra reações causadas pela hanseníase, cresceu 144% desde 2000 – 6,8 milhões de comprimidos foram distribuídos no ano passado. Há ainda uma tentativa de autorizar no País um remédio análogo, que também pode trazer riscos. “Um nascimento (com malformação) é uma tragédia, tem de ser zero”, diz Lavínia Schüller-Faccini, professora do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das autoras do relatório, elaborado em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Não dá para aumentar a quantidade de uso enquanto não tivermos certeza de que é seguro. Os EUA estão há dez anos sem um caso.”

No Brasil, a produção, distribuição e controle da talidomida estão sob responsabilidade do governo. O País tem a maior utilização em serviços públicos do medicamento por causa da vice-liderança em número de casos de hanseníase no mundo. A Organização Mundial da Saúde defende que a talidomida, por seus riscos, não seja a escolha de tratamento para reações à doença. A droga é também liberada no País para pacientes com aids, lúpus e para combate de alguns tipos de câncer.

Antes do relatório da UFRGS e da Fiocruz, três outros casos de bebês vítimas da talidomida, um de gêmeos, apareceram em 2007, no Maranhão, Rondônia e Rio Grande do Sul. O ministério então encomendou o relatório e renovou as promessas de controle da droga. “Achávamos que aquela era a ponta do iceberg”, diz Lavínia. Além desses casos e do primeiro grupo de vítimas, o País já havia registrado uma segunda geração, entre os anos 70 e 90, após o início do uso do remédio contra a hanseníase.

Abortivos
Em 2003, uma lei federal determinou prescrição controlada do remédio. Também previu campanhas de esclarecimento da população, o que ainda não ocorreu. Dois anos depois, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou consulta pública para regulamentar o controle, mas ela ainda não resultou em uma norma.

Especialistas têm alertado sobre suspeitas de que a talidomida esteja sendo utilizada indevidamente para tentativas de abortos clandestinos. Isso porque, até pouco tempo atrás, a embalagem do fármaco trazia um desenho de uma barriga de uma grávida com uma tarja, o que poderia levar ao entendimento errado de que ele era abortivo. O desenho foi retirado da embalagem, que hoje tem lembrete de que a droga não provoca aborto, informou a Fundação Nacional Ezequiel Dias, responsável pela produção da talidomida no País.

“A gente não pode proibir a droga. Se bem usada, ela evita que pessoas com hanseníase fiquem com deficiências físicas. E o contraditório é que, se mal usada, na gravidez, ela causa deficiências. A talidomida é como um carro. Se bem utilizado traz benefício. Mas se atropela e mata é uma arma”, opina Artur Custódio, do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase .

A pediatra Maria Auxiliadora Villar, médica que atende o caso suspeito no Rio, acredita que esses três últimos registros com indicativos da síndrome da talidomida são de difícil esclarecimento, já que as mães não informam o uso da droga quando questionadas. A mãe do menino tinha parentes com lúpus, mas negou compartilhar remédios. “Não havia evidência de outras síndromes”. A investigação ainda não foi concluída.

Procurado durante uma semana, o secretário de Vigilância em Saúde, o dermatologista Gerson Penna, que tem trabalhos científicos sobre talidomida, não concedeu entrevista. Por meio da assessoria, informou que está analisando o relatório. O diretor-presidente da Anvisa, Dirceu de Mello, atribui os casos recentes a falhas dos profissionais de saúde.

Segundo o relatório, o Nordeste – terceira região com mais casos de hanseníase – foi o que mais registrou malformações em bebês entre 2000 e 2006. Foram 4,8 casos a cada 10 mil nascimentos, superior ao índice da Região Sul (2,17/10 mil). Os números não consideram dados de hospitais de referência do Sudeste, que têm alto índice de casos. Os dados do Norte e do Centro-Oeste, com maior número de casos da hanseníase, foram insuficientes para conclusões. O monitoramento foi feito com uma amostra de nascimentos de 33 hospitais integrantes do Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas. Respondem por 3% dos nascimentos no País. O trabalho enfatiza ainda que a frequência de registros de redução de membros (malformações) entre 2000 e 2006 no País também foi superior à do resto do continente. “A descoberta de três casos compatíveis com essa síndrome (da talidomida) após o conhecimento público dos três casos dos últimos anos é mais um alarme para a saúde pública, embora não exista uma comprovação formal”, conclui.

Fonte: O Estado de S. Paulo (13/09/09)

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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