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Professora defende tese em libras e se torna primeira doutora surda da UFMG

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A professora Michelle Murta apresentou sua tese em janeiro e foi aprovada com louvor

Ao usar a Libras (Língua Brasileira de Sinais) para apresentar sua tese de doutorado, em janeiro deste ano, a professora universitária Michelle Murta, 40, contou com três intérpretes para traduzir sua fala a uma plateia virtual de mais de cem pessoas entre ouvintes que não dominavam a língua gestual e pessoas com deficiência auditiva, a maioria.

Ela foi aprovada com louvor e, com isso, tornou-se a primeira pessoa surda a conseguir o título de doutora na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

“Parece que estou num filme quando lembro a trajetória de vida que tive, escolar e pessoal. Penso como consegui chegar até aqui”, afirma a servidora pública em entrevista por meio de aplicativo de mensagens. “O significado, para a minha vida, é gratidão.”

“É a minha língua”, diz Michelle. Para ela, entretanto, a Libras deveria ser considerada a segunda língua oficial do país na prática, pois, oficialmente, desde 2002 a língua é reconhecida por lei. “É por isso que lutamos.”

Mas a professora afirma que a inclusão efetiva e ampla dos surdos ainda é um sonho distante. “Vivemos mais de 100 anos sob o domínio do oralismo [uso da língua falada]. É um longo caminho a percorrer ainda”, diz.

Michelle conta que estudou em escola convencional sem um intérprete ou assistência especializada. Ela diz que demorou a compreender que não conseguia distinguir palavras como “bala” e “mala”.

Por essa falta de suporte na escola, ela afirma que foi reprovada cinco vezes no ensino fundamental. “Esses dias, eu conversei com uma professora que me deu aula e ela falou que nunca percebeu que eu era surda. Só fui ter atendimento em Libras na faculdade.”

A mineira, nascida em Belo Horizonte, saiu da capital ainda criança para morar em Salinas, no interior do estado. Lá, cresceu com a família materna, composta por 80% de pessoas com questões auditivas.

“Tenho boa oralização devido à convivência com eles. Mas não sabia, quando bem jovem, que eu era igual a eles.” Ela deixou a casa da mãe aos 14 anos para realizar o “sonho de ser professora”.

Michelle concluiu os estudos na EJA (Educação de Jovens e Adultos), aos 23 anos, quando já morava em Belo Horizonte. Posteriormente, passou no vestibular de Letras/Libras da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Depois, ela quebrou outra barreira na carreira acadêmica quando se tornou a primeira professora surda da UFMG, em 2016, aprovada em concurso público. Até então, ela já era funcionária pública, desde 2015, quando ministrava aulas na Federal de Juiz de Fora.

“Tomei posse como professora efetiva na UFMG. Sabe aquele sonho de criança? O meu foi realizado. Eu sempre desejei estudar ali e, quem sabe, trabalhar. E veja que realizei os dois. Ai que maravilha tudo isso.”
Orientada pelo professor Guilherme Lourenço de Souza em sua tese de doutorado, Michelle apresentou os mapeamentos da estrutura interna dos verbos na língua de sinais.

A professora de letras/libras conta que sua equipe na UFMG é composta por cinco professores. “Normalmente converso mais com eles em Libras, mas quando encontro uma pessoa leiga, tento fazer leitura labial ou até mesmo utilizar a escrita. O importante é se comunicar.”

O curso recebe tanto alunos surdos quanto ouvintes e Michelle ministra aula para ambos os públicos. “Todos têm conhecimento de Libras, mas já demos aula para turmas com 100% de ouvintes agregando os alunos de outros cursos.”

Fora das salas de aula, Michelle se dedica ao Projeto Mãos Literárias, iniciado em 2019, e hospedado no site da UFMG. Nele, há narrativas de surdos voluntários com histórias, piadas, poemas e lendas, todos em Libras.

Inclusão na educação

A professora Michelle Murta defende a educação bilíngue com a presença de profissionais capacitados em sala de aula para ampliar a inclusão. Nela, o surdo aprende Libras como primeira língua e o português escrito como segunda.

“A inclusão ainda é uma verdadeira segregação. A realidade é que muitos surdos estão isolados na sala de aula [convencional]. Eles jamais vão aprender o português se [os educadores] continuarem utilizando a mesma metodologia que se ensina ao ouvinte.”

Outro problema apontado pela doutora é, segundo suas palavras, achar que o intérprete é professor do aluno surdo.

“De fato ele é um intermediador, mas, infelizmente, muitos professores jogam a responsabilidade do aluno surdo para esse profissional, que acaba tendo dois trabalhos.”

Para a professora, outra possibilidade de ampliar a inclusão é se a Libras se tornasse parte do currículo escolar como disciplina no ensino fundamental, independentemente de haver ou não surdos em sala de aula.

“É como estudar inglês ou espanhol, que são igualmente importantes. É mais uma língua, e a Libras também tem importância.”

Uma das questões que ela cita na falta da inclusão está relacionada à difusão da língua dos sinais em locais públicos. “Se mais pessoas falassem Libras no mercado, na padaria, no laboratório para fazer um exame, essa exclusão seria reduzida consideravelmente.”

A própria professora dá um exemplo que viveu para mostrar como a presença de surdos é importante em todas as instituições.

“Minha presença veio para somar. Professores precisaram aprender a se comunicar comigo e a direção precisou solicitar intérpretes para as reuniões.”

Ela explica que tem colegas ouvintes que sabem o básico como cumprimentos, e alunos ouvintes que são fluentes em Libras. “É uma mistura linguística maravilhosa e em breve teremos mais pessoas fluentes.”  (Tatiana Cavalvanti/Folhapress)

Fonte:https://www.otempo.com.br/

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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