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“Não gosto que me tratem de forma diferente”, afirma agricultor cadeirante que quadruplicou produção leiteira

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O agricultor é um dos responsáveis por tirar o leite das 75 vacas em lactação, que produzem 3 mil litros de leite ao dia

A tarde de 23 de novembro de 2003 era como muitas outras para a família Birck, da Linha São Jacó, em Estrela. A primavera com cara de verão prenunciava o calor, enquanto Paulo Birck, na época com 23 anos, se preparava para puxar a última carga de esterco do dia. No reboque do trator, cerca de sete toneladas de cama de aviário eram levadas de um ponto a outro da propriedade, em que também moram os pais e dois irmãos. Em meio a um aclive, o eixo do reboque cedeu. Quando Birck colocou o macaco hidráulico para tentar resolver o problema, o acidente: o macaco quebrou e o peso de todo o reboque prendeu as pernas do agricultor.

Foram em torno de 25 minutos até que os bombeiros e o guincho aparecessem para o socorro. Birck estava consciente e, nesse meio tempo, já imaginava que algo grave pudesse acontecer. Eu já não sentia dor, não sentia nada da cintura pra baixo. No hospital foram exatamente 30 dias na UTI e duas cirurgias nas vértebras, que não impediram o jovem de ficar paraplégico. Como muitas vezes acontece nesses casos, foi necessário um tipo de recomeço. A gente acaba enxergando a vida e tudo que nos rodeia de outra forma, avalia. É um processo de adaptação, em que cada pequena conquista é celebrada, completa.

Quem vê o estágio em que a propriedade da família se encontra, percebe que não há nenhuma barreira no fato de Birck fazer tudo o que faz, estando em cima de uma cadeira de rodas. Com veículos adaptados, sala de ordenha com acessibilidade e maquinário com tecnologia que facilita a realização das atividades, o agricultor é um dos responsáveis por tirar o leite das 75 vacas em lactação, que produzem 3 mil litros de leite ao dia, além de ser o gestor da propriedade, fazendo anotações em cadernos de campo, controlando entradas e saídas, cuidando das finanças e fazendo toda a parte burocrática de papelada.

É desse modo, com tudo às claras, que Paulo trabalha ao lado do pai, que também é Paulo, e da mãe, Glaci, além dos irmãos Pedro e Martina e do cunhado Henrique. Sinceramente eu não sei como seria se eu não tivesse sofrido o acidente, pondera. Mas de lá para cá resolvi estudar, terminei o ensino médio em 2003, fiz um tecnólogo na área de agricultura familiar e sustentabilidade e enveredei mais para essa área de pensar a propriedade, de planejar, comenta. Não por acaso, com o apoio de projetos de crédito da Emater/RS-Ascar, a produção leiteira deu um salto de 500 para os 2 mil litros diários atuais. E nisso entra desde o melhoramento genético, passando pela criação correta das terneiras, até chegar à dieta do rebanho e os cuidados com a higiene, explica.

Ativo desde sempre, Paulinho, como é conhecido, não deixou de atuar na comunidade. Como liderança sindical regional chegou a ir a Brasília de ônibus, poucos meses depois do acidente. Não deixou de participar dos eventos da comunidade, dos churrascos de domingo. Trabalhou na indústria, onde obteve uma boa experiência. Foi vereador. Pratica basquete com uma equipe de cadeirantes de Lajeado. Faz canoagem. Joga bocha. Pratica tiro em uma sociedade italiana. Conhece outras pessoas, tem compromissos. Nunca tive depressão ou precisei de psicólogo, reforça. O que tive foi o apoio da minha família, que nunca teve vergonha de mim, e dos amigos, especialmente os do movimento sindical, lembra.

Com determinação, Birck garante que todo o dia é um dia de aprendizado. Não gosto que as pessoas me tratem de forma diferente, ou que me cedam lugar nos locais públicos só porque estou em uma cadeira de rodas, salienta. Vou ao banco, ando de carro, pago boletos, me movimento como todos, reflete. Sobre o futuro, pensa em tornar a propriedade cada dia mais profissional, com melhorias, que sempre são colocadas na mesa para apreciação familiar. É essa união, somada as outras coisas que fazem a nossa existência ter sentido, que nos fazem seguir em frente todos os dias, revela, com ares de palestrante. Algo que, nas horas vagas, Paulinho também é.

Fonte: https://www.agrolink.com.br/

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

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