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Discriminação existe, diz mãe do primeiro aluno com Down da UFG

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Apaixonado por mapas, Kallil decidiu fazer o vestibular para geografia no ano passado, após concluir o ensino médio em uma escola privada de Jataí. Foto: Arquivo Pessoal

Angela Chagas

Em fevereiro deste ano, o Terra contou a história de um jovem que, aos 21 anos, tornou-se o primeiro estudante com Síndrome de Down aprovado no vestibular da Universidade Federal de Goiás (UFG). Passados 10 meses, o fato inédito transformou-se em um exemplo de superação para professores e alunos da instituição. Kallil Tavares está no segundo semestre do curso de geografia no campus de Jataí (GO) e contou, em entrevista por telefone, que está “feliz e com muitos amigos”.

A pedagoga Eunice Tavares Silveira Lima, mãe de Kallil, concorda que ele foi bem recebido tanto pelos professores quanto pelos colegas. “Claro que a discriminação existe em todos os lugares, na universidade não é diferente. Algumas pessoas ficam olhando de lado, não se manifestam, mas, em compensação, tem muitos amigos especiais, que participam, ajudam”.

Apaixonado por mapas, Kallil decidiu fazer o vestibular para geografia no ano passado, após concluir o ensino médio em uma escola privada de Jataí. Incentivado pela mãe, ele conseguiu a aprovação, sem correção diferenciada – concorreu em condições iguais a todos os demais candidatos.

No primeiro semestre, Kallil conseguiu aprovação em cinco das oito disciplinas. “Em maio eu percebi que ele estava tendo dificuldades em algumas aulas mais teóricas, então resolvemos trancar uma disciplina. Em outras duas ele acabou reprovando”, afirma a mãe. Apesar disso, Eunice se diz “surpresa” com o desempenho do filho na faculdade. “A universidade é outro ritmo, bem mais corrido. São muitos textos, conteúdos mais complexos do que ele estava acostumado na escola. Mas estamos muito felizes por ele estar conseguindo acompanhar”, afirma ao ressaltar que o filho não tem nenhum tipo de privilégio nas avaliações. “Ele faz a mesma prova que todos os outros”.

Questionado sobre o que mais gosta na universidade, Kallil não vacila em afirmar: “astronomia, geologia e dos mapas”. Segundo a mãe, as aulas práticas despertam mais interesse do filho. “É mais fácil para ele quando consegue aprender com algo concreto, como vídeos e imagens. Em geologia, por exemplo, ele participou de uma aula de campo e voltou para casa cheio de rochas que coletou”, conta.

No começo do curso, Kallil teve auxílio de uma monitora, uma colega de curso que auxiliava o jovem na leitura dos textos e explicava os conteúdos passados pelos professores. No entanto, no segundo semestre ela acabou desistindo da bolsa paga pela universidade e agora a UFG tenta conseguir outro monitor. A mãe espera que o problema seja resolvido logo, já que sem a monitoria fica mais difícil garantir o aprendizado.

De acordo com o professor da Faculdade de Educação e coordenador do Núcleo de Acessibilidade da UFG, Ricardo Teixeira, a faculdade de geografia está empenhada em conseguir, o mais breve possível, um novo monitor para Kallil. Para Ricardo, a história de superação do estudante é um exemplo para a universidade, que tenta incluir cada vez mais alunos com deficiências físicas e intelectuais.

Neste ano, outro jovem com Síndrome de Down ingressou na UFG, mas não pelo vestibular. O estudante do curso de matemática, cujo nome a universidade não divulga a pedido da família, conseguiu a aprovação pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), por meio da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Há quatro anos tínhamos apenas 10 alunos com algum tipo de deficiência na UFG, hoje são mais de 100. Esse movimento a gente espera aumentar ainda mais, com exemplos como o do Kallil”, diz o professor.

De acordo com ele, não houve resistência por parte dos professores em dar aula para um aluno com Down. “Essa resistência ao novo é algo comum, mas surpreendentemente não enfrentamos isso com os professores da geografia. Não houve nenhuma rejeição e todos tentam se empenhar ao máximo para garantir que ele tenha um bom aproveitamento”, afirma. No entanto, Teixeira lembra que a estrutura física e o acompanhamento oferecido aos alunos com alguma deficiência ainda precisa melhorar. “Isso é algo que estamos em constante construção”.

Para Eunice, contudo, a família não cria expectativas e não pressiona o jovem para ser aprovado e concluir logo o curso. “Se for em quatro ou em 10 anos, tanto faz. O importante é que ele se sinta feliz”.

Planos para o futuro

Na conversa com o Terra, Kallil disse que seu sonho é ser professor de geografia. Ele ainda tem uma longa jornada pela frente, já que as aulas do segundo semestre começaram faz pouco por causa da greve dos professores. Mas determinação e vontade de vencer não faltam, mesmo que alguns ainda duvidem.

“A sociedade tem dito historicamente para essas pessoas (com Síndrome de Down) que elas não são capazes, mas essas pessoas estão mostrando que sim, que são capazes. O exemplo do Kallil é muito importante para termos consciência que qualquer pessoa que tenha oportunidade, que é estimulada, consegue”, afirma o professor da UFG.

Eunice sempre acreditou que o seu menino era capaz de chegar a universidade e de alcançar muito mais. Mas hoje ela diz que a maior alegria da vida é ver o sorriso no rosto do filho todos os dias enquanto se prepara para a aula. “Ele está feliz, não tem nada melhor para uma mãe que ver um filho feliz”.

Fonte: Terra

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

2 thoughts on “Discriminação existe, diz mãe do primeiro aluno com Down da UFG

  • letícia lopes

    Parabéns para o Kallil e tb para todos do curso que o apoiam! Só gostaria de deixar aqui registrado que, apesar de realmente ser fantástico o feito do Kallil, nem todas pessoas com SD tem essa “vocação” para os estudos. Na verdade é justamente essa área da vida delas a mais prejudicada pela síndrome. Vejo a mídia e a sociedade encararrem essas pessoas como modelos que deram certo. sei q de certo modo é verdade, mas volto a questão de q muitos dos q tem SD não se encaixam nesse padrão de estudo e acho que devemos investir no potencial individual de cada um, buscando sempre a realização pessoal, a autonomia e a felicidade. Não estou querendo de maneira nenhuma tirar o mérito do Kallil e de sua família, só q acho perigoso só se mostrarem exemplos de sucesso na área acadêmica, o mundo é muuuuito mais q isso, principalmente o das pessoas com SD.

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  • Uma das maiores dificuldades dos deficientes é lidar com o preconceito… Num mundo onde privilegia-se o corpo perfeito em detrimento da inteligência, do caráter e da personalidade, inserir-se no mercado de trabalho com uma boa formação de nível superior é uma grande dificuldade. As instituições de ensino e pesquisa de nível superior não estão preparadas para essa inclusão. Os professores, em sua maioria, não sabem lidar com as dificuldades e a infra-estrutura física dos cursos deixa a desejar. Quando há espaços acessíveis eles são parcialmente acessíveis ou mesmo bloqueados para parte da comunidade acadêmica. Como deficiente físico e professor de geografia o que desejo é que os espaços acadêmicos se tornem mais acessíveis e atendam as especificidades de cada deficiente em suas características específicas… Não se está pedindo um favor ou gentileza, mas buscando garantias em torno de um direito constitucional. Não queremos espaços de uso exclusivo para deficientes, mas um desenho, uma arquitetura espacial que seja verdadeiramente universal e inclusiva.

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