Deficiência FísicaEntrevistas

Blog Deficiente Ciente entrevista o português Eduardo Jorge

Compartilhe:
Pin Share

Caro leitor,
O entrevistado desse mês do blog Deficiente Ciente é o amigo Eduardo Jorge, do Blog Tetraplégicos. Eduardo tem 48 anos e mora na cidade de Concavada, Portugal.
Acompanhe a entrevista abaixo que Eduardo concedeu gentilmente ao blog.

1) Como você se tornou uma pessoa com deficiência?

Em 1991, sofri um acidente de viação. Viajava sozinho em trabalho, carro despistou-se e embateu contra um muro. Deu várias cambalhotas, e fui projetado a vários metros de distância  por uma porta que abriu. Fracturei as vértebras C5 e C6. Traumatismo completo.

2) Quais são os obstáculos que você mais vê na luta das pessoas com deficiência?

Pobreza é o principal. Em Portugal a maioria vive com uma pensão de 189,52 €. Dou-te exemplo: Eu sou dependente. Se quiser lutar, pela minha inserção no mercado de trabalho e formação com outras pessoas, sem deficiência, não posso. Existe uma grande desigualdade. Ferramentas não são as mesmas. Faltam acessibilidades nos espaços físicos e transportes. Além de não nos facultarem auxiliares. Oportunidades têm que ser iguais. Mas se tiver uma boa renda mensal, poderei comprar um transporte adaptado e pagar a quem me auxilie. Para já não falar na possibilidade de teres um acompanhamento médico adequado e não teres que ser despejado num lar/asilo qualquer.

3) Como você se relaciona com a sociedade na questão da sua deficiência.

Direi que sou bem resolvido. Não sou feliz e nem gosto de ser tetraplégico, mas vivo relativamente bem com a situação e isso faz com que não note grandes diferenças na interação. Nunca senti discriminação absolutamente nenhuma, pelo contrário, sempre fui muito bem tratado.
Em relação a quem me ama e estima muito, é que nunca soube lidar bem com a questão. Dói-me vê-los sofrer por mim. Acho que não consigo resolver esse parte, porque não depende de mim e sim dos outros.

4) Em Portugal, como está a questão da inclusão? Você está satisfeito?

Não, não estou satisfeito. Embora estejamos a melhorar em alguns aspectos. Ainda há muito para fazer. Nem sempre a culpa é do Estado. É de todos. Sociedade, autarquias (municípios) que têm apoios à sua disposição e nem sempre os requisitam, associativismo fraquíssimo, egoísta e ultrapassado, muita falta de informação, má vontade nalguns casos e principalmente organismos públicos ou não, que trabalham nesta área, serem geridos e ocupados por pessoas sem deficiência. Ainda há um grande caminho a percorrer.

5) Quais são os pontos positivos e negativos em relação a acessibilidade em seu país.

Positivo é verificar várias cidades a preocuparem-se com esta questão e a tentarem alterar o rumo dos últimos anos, a terem mais rigor na aprovação de projetos e infraestruturas, a substituírem suas frotas de transportes públicos para acessíveis e aparecimento de táxis adaptados.
Negativo é a falta de fiscalização, não fazerem cumprir a lei e multas pesadas para os infractores, pessoas continuarem a estacionar seu veiculo em cima dos passeios impunemente, por exemplo.  Também de o Estado ter dado um prazo até 2006, para edifícios eliminarem barreiras arquitetônicas, e em 2006, como quase nada estava feito, alargar o prazo até 2017. É caso para dizer que em 2017, lhes darão mais tempo.

6) No Brasil apesar de termos uma legislação específica, as vagas de estacionamento para pessoas com deficiência são constantemente desrespeitadas. Em Portugal, como a sociedade e as autoridades governamentais encaram essa questão?

Essa lei também existe há alguns anos em Portugal. Embora por cá também tenhamos a possibilidade de requisitar um estacionamento próprio em frente ao nosso local de trabalho ou residência, inscrevendo o número de matricula do nosso veículo, torna-se pessoal. Mas pelos relatos que leio, vindos do Brasil, poucas diferenças existem. Continuamos a ver lugares muitas vezes ocupados indevidamente. É uma questão de princípios, respeito pelo próximo. Continuo a achar que a única solução são multas pesadas. Em Portugal multas por estacionamento em local reservado vão de 60,00 euros até ao reboque do veículo. Se nosso lugar de estacionamento estiver ocupado ilegalmente, solução é alertar as autoridades que de seguida procedem ao reboque do veículo.

7) Em quais projetos está envolvido hoje?

  • A ultimar um processo contra o Estado português por discriminação. Discriminar em razão da deficiência é punido por lei desde 2006. Se não obter resultados desejados avançarei para o tribunal europeu;
  • A confrontar e reunir diretamente com organismos responsáveis  pela deficiência no meu país e além de exigir respostas e mudanças apresentar sugestões;
  • A administrar o Tetraplégicos e colaborar com o Deficiente Fórum;
  • A tudo fazer para criar na minha localidade um gabinete inclusivo. Espaço físico já está pronto e mobilado, falta terminar a parte burocrática;
  • Colaboro com a Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados do Trabalho, na minha área.

8) Conte-nos um pouco sobre a 1ª Marcha pela Igualdade, uma iniciativa pioneira, coordenada por você e alguns amigos,  que será realizada esse ano em  Lisboa.

É parecida com a vossa Passeata Superação. Diferença é uma lista de reivindicações que  iremos distribuir pela imprensa e exigir do Estado respostas. Inclusive vamos começar brevemente a pedir que nos façam chegar queixas, factos e relatos de casos concretos, para os estudar e incluir nessa lista. No final também tencionamos criar um debate informal onde qualquer pessoa pode falar de si, da questão geral de deficiência e dos seus problemas.

Intenção é continuar a luta após a Marcha até que nossas reivindicações sejam resolvidas.

9) Deixe uma mensagem aos leitores do Blog Deficiente Ciente.

Que nunca desistam. Já existiram e existirão mais vezes momentos que duvidaram de vocês e das vossas capacidades. É normal acontecer. Até porque num dia estamos aparentemente bem e cheios de vontade de enfrentar o mundo, mas noutro dia as nossas limitações vêm ao de cima. Gritam bem alto no nosso ouvido que estão ali e lá vem a dúvida e até o desespero. Acordamos e verificamos que realmente nossa realidade é essa. O principal é deixar passar esse momento ou fase difícil. Não lhe dar importância, não desanimar, porque nada como um dia após o outro.

Que me desculpem os outros, mas quero deixar um carinho especial aos dependentes. Principalmente os “despejados” e abandonados como números em lugares indignos de se viver. Revejo-me neles. Sei por experiência própria o que é depender dos outros, estar sujeito às vontades alheias. Sinto uma enorme tristeza por ver que só porque estão presos a um corpo diferente, serem excluídos desta maneira da nossa sociedade.

Para ti Vera, obrigado por tudo e tem sido muito gratificante conhecer-te cada vez melhor.

Compartilhe:
Pin Share

Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

6 comentários sobre “Blog Deficiente Ciente entrevista o português Eduardo Jorge

  • Eduardo,
    Foi uma honra muito grande poder entrevistá-lo! Obrigada!
    Sempre o admirei e você sabe disso. Você é muito autêntico, guerreiro, comprometido… Parabéns pela pessoa que é e por tudo que faz!

    Abraços!

    Resposta
  • Prazer foi mutuo, Vera! Obrigado pela oportunidade. É sempre bom darmo-nos a conhecer melhor. Gostei muito.
    A tua “veia” jornalística tem sido muito elogiada.
    Fica bem

    Resposta
  • Olá Vera, parabéns pelo nosso amigo Eduardo. Ele é que me ajuda também no meu blogue, enviando-me algumas noticias.

    Parabéns para ti, o seu sitie esta lindo. agora tens mais novidades.
    Beijo, Nelson

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Content is protected !!

Damos valor à sua privacidade

Nós e os nossos parceiros armazenamos ou acedemos a informações dos dispositivos, tais como cookies, e processamos dados pessoais, tais como identificadores exclusivos e informações padrão enviadas pelos dispositivos, para as finalidades descritas abaixo. Poderá clicar para consentir o processamento por nossa parte e pela parte dos nossos parceiros para tais finalidades. Em alternativa, poderá clicar para recusar o consentimento, ou aceder a informações mais pormenorizadas e alterar as suas preferências antes de dar consentimento. As suas preferências serão aplicadas apenas a este website.

Cookies estritamente necessários

Estes cookies são necessários para que o website funcione e não podem ser desligados nos nossos sistemas. Normalmente, eles só são configurados em resposta a ações levadas a cabo por si e que correspondem a uma solicitação de serviços, tais como definir as suas preferências de privacidade, iniciar sessão ou preencher formulários. Pode configurar o seu navegador para bloquear ou alertá-lo(a) sobre esses cookies, mas algumas partes do website não funcionarão. Estes cookies não armazenam qualquer informação pessoal identificável.

Cookies de desempenho

Estes cookies permitem-nos contar visitas e fontes de tráfego, para que possamos medir e melhorar o desempenho do nosso website. Eles ajudam-nos a saber quais são as páginas mais e menos populares e a ver como os visitantes se movimentam pelo website. Todas as informações recolhidas por estes cookies são agregadas e, por conseguinte, anónimas. Se não permitir estes cookies, não saberemos quando visitou o nosso site.

Cookies de funcionalidade

Estes cookies permitem que o site forneça uma funcionalidade e personalização melhoradas. Podem ser estabelecidos por nós ou por fornecedores externos cujos serviços adicionámos às nossas páginas. Se não permitir estes cookies algumas destas funcionalidades, ou mesmo todas, podem não atuar corretamente.

Cookies de publicidade

Estes cookies podem ser estabelecidos através do nosso site pelos nossos parceiros de publicidade. Podem ser usados por essas empresas para construir um perfil sobre os seus interesses e mostrar-lhe anúncios relevantes em outros websites. Eles não armazenam diretamente informações pessoais, mas são baseados na identificação exclusiva do seu navegador e dispositivo de internet. Se não permitir estes cookies, terá menos publicidade direcionada.

Visite as nossas páginas de Políticas de privacidade e Termos e condições.

Importante: Este site faz uso de cookies para melhorar a sua experiência de navegação e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nosso site, você concorda com tal monitoramento.
Ir para o conteúdo