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A barbárie do preconceito contra o deficiente – todos somos vítimas – Parte 2

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MáscaraCaro leitor,
Dando continuidade ao artigo “A barbárie do preconceito contra o deficiente – todos somos vítimas” da pesquisadora Sandra Regina Schewinsky*, acompanhe hoje a segunda parte deste texto que considero muito pertinente. Para que possa entender melhor, recomendo que leia a primeira parte.

Segundo Crochík2, o conceito de preconceito é um fenômeno psicológico que se dá no processo de socialização. Ele nos diz em 1995:
o preconceito diz mais respeito às necessidades do preconceituoso do que às características de seus objetos, pois, um destes é imaginariamente dotado de aspectos distintos daquilo que eles são (p.16).

A pessoa portadora de deficiência pode suscitar no preconceituoso, afetos diversos relacionados aos mais diferentes conteúdos psíquicos. Da mesma forma, que ela própria trás consigo preconceitos oriundos da cultura.

Na nossa sociedade, em que o indivíduo “vale” pela sua produção e riqueza, no momento em que fica impossibilitado de exercer papéis profissionais que lhe conferem o status quo, recai sobre ele a imagem de inutilidade e de menos-valia.

Neste sentido denunciam Adorno / Horkheimer1:
Todo o mundo é o que é sua fortuna, sua renda, sua posição, suas chances. Na consciência dos homens, a máscara econômica e o que está debaixo dela coincidem nas mínimas ruguinhas. Cada um vale o que ganha, cada um ganha o que vale. Ele aprende o que ele é através das vicissitudes de sua vida econômica (p.197).

Não raro, há a dor daqueles que se apercebiam como bem sucedidos, vida social agitada e “bem queridos por amigos” e após a instalação da deficiência, encontram-se isolados e excluídos. De fato, é a morte daquela forma de viver, a lembrança do que era passa a ser um fantasma e o luto instala-se. Novamente recorro a Adorno / Horkheimer1:

O que um indivíduo foi e experimentou no passado é anulado em face daquilo que ele agora é, daquilo que ele agora tem e eventualmente daquilo para o que pode agora ser utilizado (…) O que se passa com todos os sentimentos, ou seja, a proscrição de tudo aquilo que não tenha valor mercantil, também se passa da maneira mais brutal com aquilo de que não se pode sequer obter a reconstituição psicológica da força de trabalho: o luto (p.201).

A civilização prega o apego às coisas materiais em detrimento as espirituais. Para adquirir tudo o que é imposto trabalha-se mais do que as próprias forças, a vitória da sociedade é a derrota do indivíduo, o qual se sacrifica para sobreviver, na ilusão de que tal sacrifício pode levar ao bem viver. Instala-se a moral do trabalho, seguindo-se a racionalidade do sistema para aprender as suas regras. Desta feita, todos passamos a ser meros executores de papéis, sendo que nos perfis profissionais já estão embutidos as características pessoais para sermos aceitos.

Segundo Crochík2:

No momento em que se valoriza a produção que envolve a ação eficiente, quer sobre coisas, quer sobre os homens, e que se elege o indivíduo competente como modelo a ser seguido, a produção quer material, quer espiritual toma o lugar da reflexão, pedindo ações cuja racionalidade está circunscrita à esfera do trabalho e já foi, em grande parte, deliberada anteriormente, deixando pouco a ser pensado (p. 26).

A engrenagem é massacrante, instaura-se o impulso desmedido para o lucro e o fetiche da mercadoria, que não são naturais do homem, mas sim talhados pela sociedade que se mantém de forma violenta, pois a ameaça de não poder suprir a autoconservação é declarada de várias formas. O desespero causado pela possibilidade de não ter trabalho é mascarado pelo consumo irracional, prazeres sem sentido, obediência, acreditar em mentiras manifestas que não enganam a ninguém e a ideologia do sacrifício.
O engodo que está por trás do discurso de que o sacrifício é necessário, vem a serviço de manter a ordem e o poder. A pessoa sacrificada e subjugada imputa a si mesma a culpa do infortúnio sofrido.

Ilustro, aqui com o caso de um jovem militar que se acidentou em serviço e sua grande dor é a possibilidade da aposentadoria ou ter que mudar de cargo em função das limitações físicas e de memória, chocou-me quando falou “Mas eles têm que entender que eu não tive culpa”. Uma enxurrada de pensamentos invadiu- me, o profissional que sofre um acidente em função do próprio trabalho é tido como “fracassado, pois vacilou” é inculcada a idéia do dever de ser infalível. Desta feita, a responsabilidade da fatalidade
recai sobre o próprio doente. De acordo com Adorno / Horkheimer1:

Os dirigentes não estão mais sequer muito interessados em encobri-lo (o poder do monopólio), seu poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se confessa de público (p. 114).

A pessoa se torna um instrumento facilmente substituível, ela despreza os próprios interesses e sente-se obrigada a desempenhar comportamentos irracionais para se adaptar a sociedade desumana e injusta, não se vislumbra a possibilidade de discutir o assunto. A sociedade esmaga o indivíduo que não lhe apraz e impinge a corrupção do ego pela fragilidade.

O portador de deficiência física passa a ser uma ameaça, mesmo que imaginária, para os outros, pois nele está contida a frágil natureza da humanidade, a possibilidade das limitações, o sofrimento
que se quer negar e ocultar a qualquer preço. A ele é negada a possibilidade de trabalho, seu corpo não condiz à estética préestabelecida, ainda hoje, é considerado por muitos como sucata humana. O terror de não ter valor de produção e não poder suprir a autoconservação leva os preconceituosos ao asco.

São tantas obrigações, tantos sacrifícios e regras a serem cumpridas, que a mesma dureza que a pessoa deve ter consigo mesma, leva-a ser dura com o outro. Desencadeia o ódio ao mais fraco e a necessidade de julgar-se melhor, para assim, não entrar em contato com as próprias dificuldades e achar-se potente na sua impotência. Crochík2 cita que Sartre, Adorno e Horkheimer apontavam simultaneamente o Preconceito como uma Paixão, a meu ver a cegueira da paixão serve para a pessoa não abalar suas crenças e aperceberse do próprio cárcere, negar seu desespero e o medo da fragilidade.

Crochík2:

A sensação de superioridade do preconceituoso em relação à sua vítima é solicitada por uma cultura que não permite um lugar fixo a ninguém, pois é a própria insegurança de todos os indivíduos, é a eterna luta de todos contra todos, que sustenta, assim, o poder sobre o mais fraco é a busca de um espaço em uma sociedade que gira em torno do poder, busca fadada ao fraca
sso (p. 61).

Acompanhe a terceira e última parte desse artigo.

*SANDRA REGINA SCHEWINSKY:Psicóloga-Encarregada do Serviço de Psicologia da DMR-FMUSP, Doutoranda em Psicologia Social pela PUC-SP, Mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos, Especialista em Psicologia Hospitalar.(2004)

Fonte: ACTA FISIÁTR. 2004; 11(1):7-11

Recomendo que também leia o interessante artigo “Diálogos, História, Censo, Teleton e MacDiaFeliz” do colega Amilcar Zanellato.

Veja:

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Vera Garcia

Paulista, pedagoga e blogueira. Amputada do membro superior direito devido a um acidente na infância.

4 thoughts on “A barbárie do preconceito contra o deficiente – todos somos vítimas – Parte 2

  • ROSANA VENTURA

    MInha linda , passando para que saibas que não a esquecei e desejar um lindo final de semana!
    bjosssssssss

    Resposta
  • Vera (Deficiente Ciente)

    Obrigada, lindona! Desejo uma ótima semana para você!
    Beijos!

    Resposta
  • Anonymous

    Sinceramento no meu ver só foi minimizado o preconceito, apesar de campanhas educativas ter ajudado a esclarecer muita coisa do que é deficiência, respeitar seus direitos, mesmo assim ainda vejo que falta ser feito muita coisa. Muitas coisas vêem acontecendo que no meu ver ainda acaba sendo uma forma de preconceito como ter cotas para isso, aquilo, acho que poderíamos disputar vagas de emprego com igualdade, com as pessoas sem Deficiências digamos assim. Sabemos que tem pessoas com Deficiência que não tem coisas de trabalhar etc. etc. neste caso precisa de um atendimento especial, uma atenção especial, porém tem muitas também como eu que estudaram, se dedicaram, se formaram e não tem o direito igualado com a sem Deficiência e no meu entender está errado e precisam começar olhar isso com outros olhos e começarar a separar as coisas. A Lei de Cota ajudou muito na Inserção no Mercado de Trabalho, infelizmente sem ela estaríamos sem trabalhar concerteza, mas penso também que a Lei de Cotas prejudicou de certo forma também, pois a maioria da Empresas estão contratando com salários muito baixos, com funções só operacionais somente para não terem que pagar multas e deixam de olhar que uma pessoa com deficiência é tão capaz como uma sem.

    Daniel Faria

    Resposta

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