“Muitos homens correm ao ver um filho com deficiência”, diz cantora Olivia Byington
Olivia, que também é mãe do humorista Gregório Duvivier, cantora e violonista brasileira, fala sobre os desafios e as recompensas da criação de João, seu filho que nasceu com uma síndrome rara
Olivia Byington em depoimento a Ana Helena Rodrigues e Marcos Coronato
“Quando comecei a escrever o livro sobre meu filho João, que nasceu em 1981 com síndrome de Apert, precisei ir até fontes seguras. Recorri aos cadernos e às anotações que eu escrevera na época do nascimento e durante a infância dele, para garantir que seria fiel à história. Tenho mania de escrever caderninhos e agendas, mas nunca tinha lido aquilo tudo. Somos criativos em relação a nossas lembranças, e a memória, muitas vezes, escolhe o seu roteiro. Então tentei ir para o lugar mais próximo de onde as coisas aconteceram e revivi isso com muita intensidade.
Na síndrome de Apert, as placas cranianas se unem antes do nascimento do bebê e causam a compressão do cérebro, o que pode levar a hemorragias e ao coma, com sérios danos cerebrais. Já no segundo dia de vida, João teve de passar por uma cirurgia delicadíssima, de dez horas, para livrar o cérebro da pressão dos ossos. Ao todo, foram cerca de 20 operações.

No primeiro encontro com os diários que escrevi sobre essa época, tive verdadeiras revelações de coisas que estavam guardadas na minha memória de formas diferentes. Essas histórias me tocam muito, cada lembrança é muito chocante. Às vezes eu conversava sobre isso com meu marido, Daniel [Filho], que me aconselhava a compartilhar essas experiências com outras pessoas, pois muita gente no mundo passa por coisas parecidas. Saber que o João está tão bem daria esperança a essas pessoas. Ele me dizia que era importante compartilhar as vitórias e mesmo as derrotas. Eu resguardei muito as memórias do João. O nascimento e a primeira infância dele ficaram nesses cadernos fechados.
Houve momentos de muita resistência, mas queria passar a história a limpo, de certa maneira, para o próprio João, para mim e para quem viveu perto de nós. Esse processo todo demorou três anos e meio. Muitas vezes larguei o projeto e fui fazer outras coisas. Demorou para eu juntar tudo e ter o João inteiro. A história é do João, mas eu comecei a citar coisas minhas de passagem, do tipo “quando eu cantei com o Tom Jobim”. Comecei a entremear muitas coisas da minha vida. O livro é cheio desses episódios, pois tudo estava muito ligado à história do João e ao ambiente onde ele conseguiu crescer.
Calhou de a publicação sair em um momento em que todas nós, mulheres, estamos gritando. Estamos vivendo um momento muito sério de perda de igualdade de direitos. Esse livro fala de uma minoria que precisa de atenção. Tenho a impressão de que o João se enquadra em uma grande classe que abrange os desvalidos, os homossexuais, as mulheres, os negros. Todo mundo que está lutando por igualdade. Todo mundo está saindo do armário. De certa maneira, essas histórias também saíram do armário, porque eu fui buscar as anotações daquela época que eu tinha bem guardadas.
Quando está grávida, você pensa que vai mostrar o seu filhinho para as amigas, vai passear e depois ele vai ser lindo porque ele tem todo o glamour dessa família linda. E aí vem uma pessoa, um ser humano, pedindo ajuda e você tem de mudar a sua maneira de ver o mundo todo. Você percebe que as pessoas não estão apaixonadas por você e por seu filho porque elas são apaixonadas por estereótipos.
As pessoas, hoje em dia, fazem amniocentese, elas até podem escolher o sexo do bebê, mas não adianta brincar de Deus. Há muitas síndromes que não aparecem na amniocentese. As pessoas estão tentando controlar o incontrolável. E se acontece de seu filho nascer com uma deficiência você deve ter humildade, sabedoria e ouvir quem já passou por isso, e foi disso que eu fui atrás. Naquela época, era muito mais difícil que agora. Hoje em dia é muito mais fácil de entrar em contato com grupos de pessoas passando pelo mesmo que você está passando. Nós temos um outro tipo de comunicação, é possível dividir muito mais essas coisas na internet.
Eu não conheço nenhuma pessoa com síndrome de Apert que tenha passado dos 70 anos de idade, porque essas pessoas não foram cuidadas desde cedo. O João tem uma expectativa de vida normal. Ele tem uma vida saudável, não bebe, não fuma e faz esportes. Mas quando ele nasceu era um mistério. Algumas pessoas me disseram “tomara que a expectativa de vida dele seja curta”. Isso é uma conversa deplorável. Não é muito diferente de pessoas que querem pena de morte, que acham que se matar o bandido você acaba com o mal, e a gente sabe que não é assim. Uma criança que nasce com deficiência vai ter a vida que a gente der a ela, a melhor possível.
Existe uma falta de aceitação do andar normal da carruagem. As pessoas querem cada vez mais ser Deus. A pessoa não pode envelhecer. Então ela se corta, bota borrachas dentro da cara. Então você depara em sua vida com algo que não tem conserto, com uma pessoa que não vai ser um galã de cinema, não vai se enquadrar em um padrão de beleza. Ele vai ser o que ele é e você vai investir nessa pessoa com deficiência. É uma maneira de atingir a compreensão de todas as coisas. É uma nova leitura da superficialidade, da vontade de padronizar e de que todo mundo seja igual. Aí se tira a coisa mais linda do ser humano que é sua individualidade. Cada indivíduo é do seu jeito, cada indivíduo tem suas características que têm de ser respeitadas e cultivadas.
Existe a ideia de que todo mundo tem de ser bem-sucedido, todo mundo tem de ser rico. Há pessoas que não fizeram uma carreira brilhante de diretor de uma multinacional e são muito mais felizes. O João é um vencedor em outro nível. Ele é tão orgulhoso das conquistas dele e todos nós somos. Eu vejo pessoas que tiveram filhos na mesma época e eu não trocaria o João por aquelas pessoas. Era uma coisa difícil de entender quando eu tinha 22 anos, mas hoje com 57 é mais tranquilo afirmar isso como verdade do fundo do coração.
Agora temos o aumento de casos de bebês com microcefalia. Para as mães desses bebês, que terão de lidar com a deficiência dos filhos, eu acho que a primeira coisa a fazer é botar a família inteira junto. Sei que não é todo mundo que tem o privilégio de ter uma família como a minha, mas é muito difícil que uma pessoa sozinha dê conta. Precisa também engajar a sociedade e correr atrás dos direitos garantidos para as pessoas de baixa renda. Não é possível cruzar os braços e esperar um desenvolvimento normal de uma criança com uma deficiência, qualquer que seja. A coisa mais importante é ter noção do grau de comprometimento, ter um bom diagnóstico e arregaçar as mangas. Estímulos, estímulos, estímulos. Hoje em dia tem tutoriais na internet para ensinar a estimular essas crianças. A própria mãe pode fazer isso em casa. E aceitar. É durante a vida que a gente aceita. Ninguém aceita logo. Tem gente que demora mais, tem gente que demora menos. Mas tem de aceitar e amar, e aí levantar as mangas.
É importante ter programas nas escolas para que essas crianças tenham convivência com outras pessoas fora de casa. Muitas não vão aprender a matéria, mas elas vão estar ali e ser estimuladas. Estímulo não é só botar em frente à televisão. É uma série de coisa: sensorial, tátil, gustativo. Muitas crianças podem ter um resultado muito bom. Andarem, terem autonomia funcional. Tem de enfrentar o assunto e pressionar o governo por um programa de assistência. É muita criança e mãe desamparada, porque muitos homens correm, não é? Deveria haver mais comprometimento, porque é duro. Todo mundo tem de ajudar. Esse assunto dá um nó na garganta, mas tem de falar.

Quando você tem um filho com uma diferença – não precisa ser uma deficiência –, você vai ver que ele vai procurar a turma dele e ser feliz ali. Não se deve forçar nem entortar ele para que se encaixe em determinados padrões. Isso pode fazer com que a pessoa fique com o caráter todo torto e procure o suicídio. Tem muito suicida que é uma pessoa que teve seu indivíduo partido. Os pais não aceitaram que ele fosse diferente. Pode parecer piegas e a coisa mais óbvia do mundo, mas só o amor nos permite essa compreensão. E é o amor verdadeiro. Não é o amor à forma, não é o amor ao que vai sair no jornal, não é o amor ao primeiro lugar, não é o amor ao tamanho do salário. É o amor profundo, que nos liga ao próximo. E o amor é uma coisa que a sociedade despedaçou e distorceu. Esse livro é uma prova de amor para as pessoas entenderem que têm de abrir o coração, ser generosas, se despir de vaidades e entrar em contato com o indivíduo.
Fonte: Revista Época
Infelizmente vivemos em uma sociedade desprovida de conhecimento, e pela ignorância nos tornamos preconceituosos. O ser humano tem uma capacidade enorme de se adaptar e superar as necessidades impostas pelo dia-a-dia. Cabe a nos, não portadores de deficiências (físicas ou mental), criar condições que facilitem o desenvolvimento dessas pessoas tão especiais nas quais Deus nos enviou para que possamos ter verdadeiras lições de vida.
Deus escolhe esse pai essa mãe para serem especiais para seus filhos.
Um amigo teve um irmão doente mental, epiléptico e retardado.( problema no parto, passou da hora de nascer, precisou de fórceps, e morreram células do cérebro ) . Para ” ajudar “, o pai faleceu ; a mãe semi-analfabeta, sem casa própria , sem pensão, os parentes não podiam fazer ” nada”. O filho ” normal” passou a a ser ” arrimo de família”. Este ” arrimo de família ” tem hoje uma esperança bíblica baseada em Atos 24: 15; Apc. 21: 3- 5. É a nossa única esperança confiável. O resto ? É placebo. Estimada Olívia. Pense nisso.